Se eu Pudesse, Se o ICMBio Quisesse, Se o Mundo Sesse
- Solange Pereira*
- 22 de jul. de 2017
- 4 min de leitura
Quando se chega, a visão é impressionante: uma larga estrada de terra, muito bem aplainada, com acostamento, parece que se vai em direção a um resort de safári para milionário americano. O olhar se fixa à esquerda, num vasto campo de pastagem em crescimento, de um verde-esmeralda que acaricia os olhos. A água da irrigação que se lança no espaço perseguindo a luz do sol é refrescante depois de se ter percorrido um trecho dessa super-estrada para milionários tão intensamente vermelha.
A estrada serpenteia acompanhando uma cerca feita de troncos de madeira, recentemente cortados, e de arames lisos, que se transforma mais adiante num curral, simples, também de troncos recém-cortados como a cerca, de arame liso, mas bem espaçoso. A pastagem sobe, numa leve ondulação e lá no alto toca a mata luxuriosa, que antes beirava a estrada e agora fugiu para cima.
Percebe-se, nesse alto, meio encoberta pela mata, a silhueta discreta de uma caixa d’água. Quem conhece, sabe que a água vem de uma nascente qual pequena jóia guardada no estojo da mata. Ao fim da estrada, percebe-se uma casa que parece ter sido reformada.

Estrada rasgada na microbacia do Córrego da Mumbuca - Fazenda Nova Suissa II Onde estava o ICMBio?
O IDILIO ESCONDE O INFERNO
Todo o descrito são infrações, cometidas sem freio e sem vergonha num local da Mata Escura de fácil acesso a toda fiscalização, e mostram o grau de inadequação de pessoal e de equipamento do ICMBio no preservação de suas unidades de conservação. O idílio esconde o inferno.
A super-estrada construída sem permissão dos proprietários da terra e do escritório da Rebio (realmente?), onde havia uma estrada singela e suficiente, e onde a patrola saiu ”esbagaçando” árvores, arbustos, vegetação rasteira e alterando o bioma; a capineira, que sacrificou parte da mata, abateu árvores para a cerca, o curral pelo qual inúmeras árvores morreram, e quantidade de arbustos e vegetação rasteira foram raspados; a caixa d’água, colocada num ponto da mata que requereu mais abate de árvores, e a água, que esgota a nascente nessa irrigação sem outorga. E a reforma da casa inclusive.
Todas essas infrações contra o meio ambiente praticados nesses últimos seis meses dentro dessa área da Mata Escura não deveriam ficar sem punição.
Os proprietários legítimos não deveriam ter sido expelidos, em favor de presenças oportunistas que esperam por uma indenização rápida e imerecida, e utilizam a depredação das propriedades quase como um instrumento de chantagem para atingir seus fins.
A FAZENDA-MÁRTIR
Esse local se encontra à esquerda da estrada Jequitinhonha - Laranjeiras, e é parte da fazenda-mártir Nova Suissa que começa no mata-burro ao lado das torres. Já vandalizada pelo cercamento de 113 ha de sua área principal, para impedir avanço de erosão e que inviabilizou a exploração econômica da fazenda,
Essa área é hoje em dia levada à erosão pela super-ocupação de gado de terceiros, pois o ICMBio é impotente para assegurar a integridade da área.
Há dois anos, a parte à esquerda da estrada foi invadida e, conforme denunciei numa carta aberta à classe produtora, a atitude da chefia da Rebio foi benevolente. Mesmo se o ICMBio tenha expedido certificado de regularização patrimonial confirmando a posse e propriedade legítimas dessa parte da fazenda Nova Suissa (conhecida como Nova Suissa II) pelos coproprietários, essa invasão. A Justiça, há muito acionada, tarda e, portanto, falha.
Na época da invasão, como a lei me faculta o direito do ”desforço possessivo”, ou seja, a imposição dos direitos legítimos, fiz o pedido para limpeza, manual, das pastagens, que a chefia da Rebio me negou, por haver “pendência” sobre a área, disse ela. Concordei, com a condição de que a situação ficasse congelada, até a sentença do juiz.
No entanto, chegou-se até onde vimos acima. Quem teria ousado fazer um empreendimento deste tamanho, à beira da estrada, com tantas infrações, e financiamento de custeio do PRONAF, sem a certeza da impunidade? Que país é esse, que ministério é esse, que instituição é essa, que penaliza primeiro aos que têm a lei do seu lado?
Sem verbas, sem pessoal, com a revolta da classe dos proprietários rurais sempre latente, há limites a não ultrapassar, para o ICMBio. Expelir os proprietários rurais agora pode significar mais tarde problemas para se livrar dos seus atuais ”aliados”, os oportunistas que se instalam e vêem terras legítimas serem declaradas ““em pendência”. Os custos desses confrontos é a sociedade civil quem paga, sempre. A imagem da Rebio pagará também. Com coisas assim, a Rebio perde mais um pouco do seu pouco prestígio.

Na Faz. Mova Suissa II, a mata vai sendo rasgada em todos os sentidos. Onde está o ICMBio?
O QUE TEMOS, É O QUE PRESERVAMOS
A criação da reserva natural em Jequitinhonha foi talvez um dos fatos mais importantes acontecidos para a sobrevivência física e econômica da cidade, na era moderna (que eu situaria a partir dos anos cinqüenta do século passado).
Mais importante que a construção da ponte, que ainda não encontrou sua expressão econômica mas já contribuiu para desequilibrar o desenvolvimento urbano, com repercussões desastrosas imediatas no abastecimento de água da cidade. Uma imensa mata em torno da cidade só nos faria de bem - tanto para o micro-clima como para a tentativa de preservação de nascentes, etc.
Sempre fui uma partidária ardente da Rebio, desde o começo participei da criação do seu Conselho Consultivo, representando a ANEJE e atualmente o Sindicato dos Produtores Rurais. Como já disse à Sra. Márcia Nogueira, dali não sairei nunca, tal a importância que dou a esse trabalho, enquanto houver instituições que creiam no meu trabalho.
No entanto, duas coisas diferentes são, a Rebio e administração. Para as pessoas atingidas em geral e a classe produtora rural em geral, as deficiências desse Ministério, que se refletem nas suas instituições, como o ICMBio, e chegam a contrariar as normas elementares de uma SNUC, as assim chamadas reservas naturais. A nós, comunidade e classe produtiva rural, de estarmos atentos, através de nosso sindicato, super-eficiente, e organizações civis, na preservação do que é nosso, e para que aventureiros dos nossos bens não lancem mão (A partir do 05 de abril, nossa luta on line: eu i(o)cmbio).*Produtora rural sem-terra